quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A academia ainda resiste ao prazer

A reação provocada por Rubem Alves, ao ser citado na Conferência "Ecossistemas comunicacionais: os dispositivos móveis como extensão da mente humana" com a qual o professor do PPGCCOM da UFAM, Gilson Monteiro, encerrou o II Congresso Internacional Jornalismo e Dispositivos Móveis (SMARTPHONES/TABLETS/WEB 2.0/CONVERGÊNCIA), na Universidade da Beira Interior (UBI), ontem, em Covilhã, Portugal, parece indicar que o educador e filósofo brasileiro tem dificuldades em ser aceito na academia. Ou, que a academia ainda reage ferozmente ao prazer. Talvez, induzida pela própria editora que na ficha catalográfica de "Variações sobre o prazer", de Rubem Alves, informa que o livro trata de Erotismo, Prazer, Corpo e Mente (terapia), Relaxamento, Sexo (Psicologia), Corpo Humano, Aspectos Sociais, Saúde." O livro de Alves é uma deliciosa e provocante crítica à Educação e à Ciência tradicionais, jamais um livro de Sexo, Relaxamento ou coisa parecida. Já no primeiro capítulo, provoca: "Por que não consegui terminar este livro - Originalmente: Contra o método", numa clara referência ao livro "Contra o Método", de Paul Karl Feyerabend. A provocação aparece logo no prefácio, com um ESCLARECIMENTO:"neste livro não haverá notas de rodapé. Rodapé é coisa que fica por baixo, na altura do pé, e é incômodo ficar olhando o tempo todo para baixo. Assim como estou escrevendo este livro sob uma inspiração culinária e gastronômica, incluirei, no meio do texto, "notas de canapé", coisas pequenas e saborosas, algumas doces, outras apimentadas, que abrem o apetite e que são servidos no meio da festa. Se você não quiser provar o canapé, pode declinar o contive e continuar a leitura". De forma genialmente criativa, Alves, de cara abomina a tradicionais "Notas de Rodapé" exigidas pelos tradicionais "cientistas" que tanto falam em Inovação, palavra que virou moda em algumas áreas ou campos do conhecimento, mas que, na prática, não aceitam anda de novo. Em seguida, Alves solta pitadas de provocações: "...Um artigo científico é isso: o relato do caminho que se seguiu para se ir do ponto de onde se partiu até o ponto aonde se chegou. Isso se chama método". "Mas o corpo não entende a linguagem do Método. Métodos são procedimentos racionais. Mas o corpo é um ser musical. Ele só entende a linguagem da Estética." "...O corpo, tocado por uma imagem poética, repercute, ressoa, vibra..." E tasca:
"...Eu me vi escrevendo um livro para os habitantes do "País dos Saberes". No "País dos saberes há regras precisas que regulam a fala e a escrita. Regras claras, rigorosamente definidas. Quem tropeça é expulso. Para se entrar no "País dos saberes" há de se passar por rituais de exame de linguagem. Tais rituais têm o nome de "defesa de tese".
"...O que se exige em um texto de saber é que o autor faça uma assepsia rigorosa nos seus materiais. Tudo aquilo que NÂO diz respeito ao caminho em linha reta, que leva do problema inicial à conclusão, deve ir para a lixeira. Assim, as experiências malsucedidas, hipóteses equivocadas e erros vão para a lixo do esquecimento. É como se não tivessem acontecido." (29/30)
É assim que se ensina ciência em nossas escolas. Os alunos aprendem a equação de 2° grau, mas não os caminhos e descaminhos do pensamento do matemático que a elaborou".
Há mais provocações, que devem ser deliciosamente devoradas por quem ainda não as leu. O livro de Rubem Alves, garanto, deve sim, ser usado como uma Introdução a Feyerabend. Com a vantagem fundamental de valorizarmos um filósofo e educador brasileiro com ideias extremamente provocantes e inovadoras. Talvez, assim, a academia deixe de reagir ao prazer como se fosse um pecado imperdoável.



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