sábado, 8 de agosto de 2015

A gourmetização da democracia brasileira

Nos últimos dias, a democracia brasileira entrou em pleno parafuso, no que se pode chamar de processo de gourmetização. E o que está no formol, que fede a mofo, passou a ter a cara de novidade, de sofisticação. Aquele ato típico de pobretão, o bater panelas (para anunciar que estava sem dinheiro, como fome) passou a ser o mais chique ato da atual democracia brasileira. Também virou chique pedir a renúncia ou o impeachment de Dilma Rousseff (PT). E a esquerda radical uniu-se à direita ruminante para dizer que é pelego ou pouco inteligente quem não pensar igual a eles. Qualquer palavra em defesa da permanência de Dilma significa que você ou é alienado ou faz parte “da corja de ladrões” que assola o País. Para o democrático gourmet, vale o mantra: se pensas igual a mim, és admirável. Caso não, és detestável! “Ei, você aí! Pare e escute....”, parafraseando o narrador esportivo Jaime Barreto, pensam que isso só ocorre do mundo real? Não, a democracia gourmet está cravada dentro da universidade brasileira. Os intelectualoides modernosos consideram que se a análise política não é de um deles, não merece ser compartilhada ou lida, quando a deles, muitas vezes, é tão profunda quanto uma meme de Facebook. Apresentam discursos da década de 70, goumertizados, para tentarem parecer sofisticados. Tanto a esquerda radical quanto a direita ruminante, se pudessem, recuariam a 1964, quando, nas palavras esclarecedoras de Juremir Machado da Silva, “o golpe foi midiático-civil-militar. Sem o trabalho da imprensa não haveria legitimidade para a derrubada do presidente João Goulart. Os jornais de cada capital atuaram como incentivadores e árbitros”. Abraçados, Tradição Família e Propriedade (TFP), evangélicos e a assumida esquerda radical, querem ver Dilma Rousseff sangrar, em praça pública, até a última gota. Esquecem, todos eles, que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é a representação mais transparente das lideranças da democracia gourmet: um aproveitador que manobra, na Câmara dos Deputados, e chantageia, por meio de artifício legais, o Governo. E a vítima das chantagens, a presidente, passou a ser vilã, sem que haja nenhuma prova concreta contra ela. Enquanto alguns peixes graúdos do Partido dos Trabalhadores (PT) nada na sujeira desde o Mensalão, até o Eletrolão, passando pelo Petrolão, a denúncia do pagamento de propina de R$ 5 milhões a Eduardo Cunha é relativizada. Assim estamos hoje: se a denúncia for contra o PT deve ser apurada a fundo e a todos os envolvidos, cadeia, imediatamente. Em não sendo, são manipulações para envolver adversários inocentes. A insanidade coletiva é tamanha que, se a Operação Lava Jato não concluir que Lula e Dilma Dousseff são culpados e não forem presos, o queridinho das memes digitais, o juiz federal Sérgio Moro, será execrado. Eis a face mais cruel da democracia gourmet, em quaisquer dos ambientes: a idolatria é efêmera e só dura o tempo que pensas ao teu adversário político atual.


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