Trago de volta Paul
Feyerabend, agora no livro “A Ciência em uma sociedade livre”, para provocar
reflexões dos que ainda não o conhecem. Desta vez sobre o autoritarismo
retórico da Ciência e dos racionalistas: ”O fato de o apelo à verdade e à
racionalidade ser retórico e sem conteúdo objetivo fica claro com a falta de
articulação de sua defesa. Na Seção 1 vimos que a pergunta “O que é tão
importante para a Ciência?” quase nunca é feita e não tem nenhum resposta
satisfatória. O mesmo se aplica a outros conceitos básicos. Os filósofos
investigam a natureza da verdade, ou a natureza do conhecimento, mas quase
nunca se perguntam por que a verdade deve ser buscada (a pergunta surge sempre
na linha de fronteira entre tradições – por exemplo, surgiu na linha limítrofe
entre a Ciência e o Cristianismo). As próprias noções de Verdade, Racionalidade
e Realidade, que supostamente eliminaram o Relativismo, estão rodeadas por uma
vasta área de ignorância (que corresponde à ignorância que o argumentador tem
da tradição que fornece o material para suas exibições retóricas).
Não há, portanto, quase
nenhuma diferença entre os membros de uma tribo “primitiva” – que defendem suas
leis porque elas são as leis em nome da tribo – e um racionalista, que apela
para padrões “objetivos”, a não ser o fato de os primeiros saberem o que estão
fazendo e os últimos não.
As regras de uma Ciência
racional, dizem os intelectuais liberais, não envolvem interesses especiais.
Elas são “objetivas” no sentido que enfatizam a verdade, a razão, etc., coisas
que são independentes das crenças e dos desejos de grupos de interesses
especiais. Distinguindo entre a validade
de uma demanda, de uma regra, de uma sugestão e o fato de essa demanda regra ou
sugestão ser aceita, os racionalistas
críticos parecem transformar o conhecimento e a moralidade de ideologias
tribais na representação de circunstâncias independentes da tribo. Mas as
ideologias tribais não deixam de ser ideologias tribais apenas por não terem
sido abertamente caracterizadas como tais. As demandas que os racionalistas
defendem e as noções que usam falam “objetivamente”,
e não em nome de Sir Karl Popper ou do professor Gerard Radnitzty, porque foram forçadas a falar dessa maneira, e
não porque os interesses de Sir Karl ou do professor Radnitzty já não estão sendo
levados em consideração; e elas foram forçadas a falar dessa maneira para lhes
garantir um público mais amplo, para manter a aparência de libertarianismo e
porque os racionalistas têm pouca sensibilidade para aquilo que chamaríamos de
qualidades “existenciais” da vida. Sua “objetividade” não é em nada diferente
da “objetividade” de um funcionário colonial que, tendo lido um livro ou dois,
agora deixa de se dirigir aos nativos em nome do Rei e se dirige a eles em nome
da Razão ou da “objetividade” de um sargento instrutor que, em vez de gritar “Agora,
seus cachorros, ouçam o que eu estou dizendo – isso é o que eu quero que façam
e Deus tenha misericórdia de vocês se não fizerem exatamente o que estou
mandando!”, fala mansinho “Bem, eu acho que o que devemos fazer é...”. A
obediência às ordens e à ideologia do orador é exigida nos dois casos. A
situação fica ainda mais clara quando examinamos como os racionalistas
argumentam. Eles postulam uma “verdade” e métodos “objetivos” para encontrá-la.
Se os conceitos e métodos necessários não são conhecidos por todas as partes do
debate, então nada mais precisa ser dito. O debate pode começar imediatamente.
Mas se uma das partes não conhece os métodos, ou usa métodos próprios, então
ela precisa ser instruída, o que
significa que ela não é levada a sério
a não ser que seu procedimento coincida com o do racionalista. Os argumentos
são centrados na tribo e o racionalista é o senhor.”
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OBS: Post do dia 23/01/2012
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