Sei que não serei a única voz favorável. E, ainda que o fosse, jamais
deixaria de falar sobre a convicção que tenho: a Lei de Cotas talvez seja a
experiência mais ousada proposta pelo Senado e bancada pelo Governo Dilma
Rousseff (PT) para mudar, definitivamente, para melhor, a Educação brasileira.
A regulamentação da Lei será publicada no Diário Oficial da União (DOU) de amanhã
e já recebeu severas críticas, não apenas dos mais interessados diretamente, as
particulares, mas também, das alas mais conservadoras e reacionárias (ou não)
que existe na própria universidade pública brasileira. O discurso de que se
deve investir na “melhoria da qualidade” da Educação Básica é anacrônico e
esconde, no fundo, o desejo premente de que nada mude na sociedade. Em 10 anos,
após a implantação da Lei de Cotas, a Educação brasileira terá dado um salto de
qualidade e, mais que isso, incluído um número tão grande pessoas das classes
média e baixa no mercado de trabalho que até o mais reacionário dos capitalistas
baterá palmas. Sem falar no impacto de incluir socialmente pessoas por meio do
ensino, da pesquisa e da extensão. E quem duvida que esse seja o papel
fundamental de uma universidade pública? Stephen Hawking, um dos maiores
cientistas vivos, é autor de uma frase lapidar: “o maior inimigo do
conhecimento não é a ignorância, e sim a ilusão da verdade.” Não quero,
portanto, com a reflexão, impor a ninguém a minha visão a respeito do assunto.
Assim sendo, não tenho a menor pretensão de “ilusão da verdade”. Quero, porém,
provocar. Inclusive os que são contra as cotas. E tomarei um dos exemplos
desses críticos para sustentar meu raciocínio. Os maiores críticos da Lei dizem
que a universidade pública deverá criar “disciplinas de nivelamento”. Qual é o
problema de isso ocorrer? As universidades, faculdades e centros universitários
fazem isso normalmente. Inclusive, é item de avaliação nos formulários de
avaliação do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anysio Teixeira
(Inep). Só pude cursar o Mestrado em Administração na melhor e mais prestigiada
da América Latina, a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA)
da Universidade de São Paulo (Usp), após ser aprovado em 10 disciplinas de
nivelamento. Como não sou graduado em Administração, na FEA-Usp, quem não é da
área tem de cursar disciplinas de nivelamento para ter domínio dos fundamentos
básicos da área. O nivelamento, portanto, não inviabiliza as cotas. Ao
contrário, é uma necessidade. Atualmente, quem cumpre esse papel de incluir
pessoas, principalmente os de menor renda, são as instituições privadas. E o
fazem porque são “boazinhas”? Não! Fazem-no para que não haja evasão extrema e
não percam os “clientes”. Isso é visão de mercado. Mais nada. Porém, ao final,
terminam por incluir todas aquelas pessoas que foram “ajudadas”. Assim será nas
instituições públicas. E, acredito, isso mudará a lógica da má-qualidade do
ensino em todos os níveis. Porque a FEA-Usp faz nivelamento? Pura e
simplesmente para manter a “qualidade” na saída, ou seja, dos seus egressos. Quem
são as professores que trabalham nas escolas públicas e privadas do Ensino Básico?
São os mesmos profissionais “formados” pelas universidades brasileiras. Tenho convicção
que, independentemente das cotas, as instituições superiores já deveriam, há
muito tempo, praticar o nivelamento. Não posso crer que as universidades
brasileiras, principalmente as públicas, “lavem as mãos” quando a maioria
absoluta dos seus egressos não passa nas seleções dos programas de
Pós-graduação e nos concursos públicos de carreira. Na situação em que se
encontra a Educação brasileira só vejo uma saída para elevar a qualidade dos
egressos: com cotas ou não, criar nivelamento, pelo menos nas áreas básicas de
Língua Portuguesa, Ciências e Matemática. Sem uma base sólida, trabalhada mal e
parcamente hoje em dia na Educação básica e média, não venceremos o desafio de
mudar a Educação brasileira. As cotas, a meu ver, promoverão, a longo prazo,
uma mudança jamais vista.
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