terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A verdade científica é retórica e sem conteúdo objetivo


Trago de volta Paul Feyerabend, agora no livro “A Ciência em uma sociedade livre”, para provocar reflexões dos que ainda não o conhecem. Desta vez sobre o autoritarismo retórico da Ciência e dos racionalistas: ”O fato de o apelo à verdade e à racionalidade ser retórico e sem conteúdo objetivo fica claro com a falta de articulação de sua defesa. Na Seção 1 vimos que a pergunta “O que é tão importante para a Ciência?” quase nunca é feita e não tem nenhum resposta satisfatória. O mesmo se aplica a outros conceitos básicos. Os filósofos investigam a natureza da verdade, ou a natureza do conhecimento, mas quase nunca se perguntam por que a verdade deve ser buscada (a pergunta surge sempre na linha de fronteira entre tradições – por exemplo, surgiu na linha limítrofe entre a Ciência e o Cristianismo). As próprias noções de Verdade, Racionalidade e Realidade, que supostamente eliminaram o Relativismo, estão rodeadas por uma vasta área de ignorância (que corresponde à ignorância que o argumentador tem da tradição que fornece o material para suas exibições retóricas).
Não há, portanto, quase nenhuma diferença entre os membros de uma tribo “primitiva” – que defendem suas leis porque elas são as leis em nome da tribo – e um racionalista, que apela para padrões “objetivos”, a não ser o fato de os primeiros saberem o que estão fazendo e os últimos não.
As regras de uma Ciência racional, dizem os intelectuais liberais, não envolvem interesses especiais. Elas são “objetivas” no sentido que enfatizam a verdade, a razão, etc., coisas que são independentes das crenças e dos desejos de grupos de interesses especiais. Distinguindo entre a validade de uma demanda, de uma regra, de uma sugestão e o fato de essa demanda regra ou sugestão ser aceita, os racionalistas críticos parecem transformar o conhecimento e a moralidade de ideologias tribais na representação de circunstâncias independentes da tribo. Mas as ideologias tribais não deixam de ser ideologias tribais apenas por não terem sido abertamente caracterizadas como tais. As demandas que os racionalistas defendem e as noções que usam falam “objetivamente”, e não em nome de Sir Karl Popper ou do professor Gerard Radnitzty, porque foram forçadas a falar dessa maneira, e não porque os interesses de Sir Karl ou do professor Radnitzty já não estão sendo levados em consideração; e elas foram forçadas a falar dessa maneira para lhes garantir um público mais amplo, para manter a aparência de libertarianismo e porque os racionalistas têm pouca sensibilidade para aquilo que chamaríamos de qualidades “existenciais” da vida. Sua “objetividade” não é em nada diferente da “objetividade” de um funcionário colonial que, tendo lido um livro ou dois, agora deixa de se dirigir aos nativos em nome do Rei e se dirige a eles em nome da Razão ou da “objetividade” de um sargento instrutor que, em vez de gritar “Agora, seus cachorros, ouçam o que eu estou dizendo – isso é o que eu quero que façam e Deus tenha misericórdia de vocês se não fizerem exatamente o que estou mandando!”, fala mansinho “Bem, eu acho que o que devemos fazer é...”. A obediência às ordens e à ideologia do orador é exigida nos dois casos. A situação fica ainda mais clara quando examinamos como os racionalistas argumentam. Eles postulam uma “verdade” e métodos “objetivos” para encontrá-la. Se os conceitos e métodos necessários não são conhecidos por todas as partes do debate, então nada mais precisa ser dito. O debate pode começar imediatamente. Mas se uma das partes não conhece os métodos, ou usa métodos próprios, então ela precisa ser instruída, o que significa que ela não é levada a sério a não ser que seu procedimento coincida com o do racionalista. Os argumentos são centrados na tribo e o racionalista é o senhor.”


OBS: Post do dia 23/01/2012

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